A História da Maria Ramos

Esta é uma história muito especial, criada por Maria Ramos em resposta ao desafio de escrita criativa que lancei aos alunos do 9.º ano da Escola Secundária Quinta do Marquês.
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Obrigada, Maria, gostei muito, mesmo muito, de receber a tua história.

As duas luas tocaram-se no céu. Era a hora marcada para o encontro. A anciã olhou em volta, constatando mais uma vez que a enorme clareira estava vazia. Todos tinham sido avisados, o assunto era da maior importância... porque não aparecia ninguém? E então eles começaram a chegar, cada um trazendo um relato diferente sobre as dificuldades e os perigos que tinha enfrentado para chegar até ali. Uns falavam muito, outros quase nada...
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Rik permaneceu imóvel. Tinha o coração nas mãos e o pensamento distante. Na verdade, enquanto os outros falavam e trocavam ideias com a anciã, dava claramente para perceber que ele não estava a prestar atenção ao mundo em seu redor. Parecia estar concentrado e muito decidido em alcançar qualquer coisa que ninguém conseguiu perceber o que era, ao certo. Ergueu-se e perante todos apenas referiu que tinha acontecido um imprevisto e que, com isso, acabara por não pensar em nada, em nenhuma solução para apresentar à anciã. Depois de falar, voltou aos seus pensamentos e mais ninguém lhe disse nada.
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A única coisa que lhe vinha à cabeça era a imagem do dia da separação em que encontrara ao acaso uma pequena menina verdi que aparentava ter cerca de 7 aninhos. Esta tentava agasalhar-se com um casaco que levava à cintura, agora colocado sob os finos ombros, enquanto aflita olhava para a majestosa cadeia de montanhas que crescia diante dela. A inútil espessura do casaco aliada ao clima frio que se instalava no território sangui fazia com que espirrasse repetidamente, parecendo assim que já se encontrava há alguns dias sujeita a uma constipação, que mais tarde Rik constatou como uma constipação bastante violenta. O confronto com a dura realidade de que não voltaria ao seu território também não ajudava que o estado de espírito de Flora fosse muito alegre... Rik ouvia crescer os seus abafados soluços, até que incontrolavelmente aumentaram de volume e se propagavam num raio cada vez maior; Este comportamento era previsível: com 7 anos, habituada ao calor dos pais, estava agora exposta ao frio, completamente sozinha, num território onde não conhecia ninguém... e doente. Envolvido naquela situação Rik não desperdiçou mais tempo e correu para ajudá-la, não só porque tinha a certeza que ela não iria conseguir sobreviver à sua própria custa no estado miserável em que se encontrava, mas também porque se sentia estranhamente responsável por ela. Ali, ele era a única pessoa capaz para transmitir-lhe um pouco mais de conforto; já para não falar que fazia parte da comunidade ruivi, que é conhecida pelas suas brilhantes capacidades curativas... Tinha a certeza que iria poder ajudar! Aproximou-se dela, baixando-se o suficiente para ficar à sua altura e olhando-a nos olhos prometeu ali que a ia acompanhar o tempo que fosse suficiente para ela ficar boa e reencontrar a família... E afinal, ele próprio também já não tinha família, pelo menos ali: teria de ter forças para recomeçar de novo. Pegou em Flora e caminharam os dois de mão dada, para tentarem perceber onde é que tinham vindo parar.
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O caminho foi longo, principalmente para a pequena Flora que ainda choramingava e tossia enquanto tentava acompanhar o passo de Rik. Este acabou mesmo por parar e tentar, ali mesmo, pôr alguns dos seus conhecimentos curativos em prática, mas a constipação parecia ser mais teimosa que as suas habilidades. Era inútil, a verdi estava mesmo muito fraca desde há alguns dias, não tinha sido certamente apenas uma constipação que a apanhara desprevenida!!! O ruivi decidiu então continuarem a sua jornada, em busca de algo que nem ele sabia bem. Ajuda? Abrigo? Comida? Mantimentos? Não havia rumo certo a seguir. Ele só sabia que tinha de arranjar maneira de socorrer a Flora e ele próprio. Pensou em procurar alguém que também pertencesse à raça verdi e que pudesse ajudá-los da melhor maneira, mas quando constatou que tinham calhado em território sangui, concluiu que seria melhor encontrar um abrigo provisório para os dois. Talvez uma casa abandonada, um estábulo ou qualquer outro lugar minimamente confortável para se alojarem servisse, mas teria de ser ele a encontrá-lo, sem qualquer ajuda, pois no que toca a abordar os sanguis há sempre a incerteza de como eles poderão reagir (ainda para mais, a aversão dos sanguis a outras cores de cabelo sem ser vermelho já era bem conhecida). Rik não queria meter Flora em perigo, esta não tinha culpa de nada, muito menos o seu longo e liso cabelo verde. Por fim, voltou-se, e no horizonte entre as colinas avistou algumas calhas de madeira e (surpresa) um martelo e pregos esquecidos.
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A princípio hesitou antes de tomar a posse destes, pois poderiam pertencer a alguém... Mas o local não parecia apresentar quaisquer sinais de vida. Resolveu então fazer uma cabana improvisada para ao menos passarem aquela noite. No dia seguinte, se tudo corresse melhor, ele construiria um abrigo mais amigável com o material que ali se encontrava. E assim foi.
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Entre os vales que os rodeavam, ficou pronta uma pequena cabana a qual se apressaram a ocupar. Aí, todos os dias, Rik olhava por Flora, tomava conta dela, via-a crescer e de vez em quando, quando ele lhe contava uma história ou lhe falava, via-a sorrir, sorrir de uma maneira tal que ele nunca antes vira numa criança sorriso igual... Os dias assim iam passando, andando, correndo,... De vez em quando tornavam-se preguiçosos e custavam a passar! A constipação porém ainda não tinha passado totalmente... teimava em surgir e voltar a surgir embora um pouco mais fraca! Flora podia brincar lá fora nos pastos durante uma semana inteira, mas ao fim de algum tempo voltava sempre a adoecer. Nessas noites em que adoecia, ela passava todo o tempo a chamar pela mãe, pelo pai ou a suplicar a presença de ambos, o que fazia com que Rik se sentisse sem forças, sem motivação, sem qualquer ânimo... Nessas noites, nada a acalmava e Rik sentia-se incapaz e começava a pensar que talvez não lhe estivesse a proporcionar Amor e felicidade suficiente... e talvez por isso nunca a conseguisse curar. Talvez por isso, tudo voltasse à estaca zero.
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Naquela noite, ele tinha prometido à anciã que estaria presente na reunião e por isso não podia faltar. No entanto, Flora adoecera precisamente naquele dia, ao final da tarde, depois de ter estado a brincar com as flores lá fora. O que poderia ele fazer? Se pudesse, faltaria à chamada, mas tinham-lhe sido entregues ordens expressas. Bem que ele teve vontade de ficar e de esquecer o resto do mundo, mas ele sabia lá no fundo que também não era capaz disso e que mais tarde ou mais cedo teria de encarar a anciã com quem frequentemente falava. Acabou por sair, mas só quando se certificou que a pequena estava ligeiramente melhor e depois de esta estar a dormir e de ter parecido acalmar. Antes de sair, disse-lhe que não ia estar presente durante algumas horas e que se ela se sentisse mal para beber o remédio que ele havia preparado com ervas e frutos do bosque laranjas do território ruivi e que eram raros e difíceis de encontrar, mas bastante eficazes nestes casos. Visto que se tratava de um caso bicudo, achou por bem utilizá-los e deixar tudo preparado. E assim saiu de casa, atrasado para o encontro na clareira, com o coração nas mãos, um aperto no peito e um peso na consciência que o alertava de que poderia vir a arrepender-se. Mas tentou não pensar nisso. Tentou, e durante todo o caminho, esteve a emitir bons pensamentos, depositando neles todo o seu Amor e carinho. Ela iria ficar boa.
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A posição das luas, já perto do solo, indicava que o sol não tardaria a nascer. Cada momento contava, agora... Não poderiam permanecer reunidos por muito mais tempo. O grupo dispersou. De novo sozinha, a anciã reflectiu sobre o que se passara nessa noite. Todos aqueles atrasos não podiam ser coincidência. Os deuses não deveriam desejar que se tomassem medidas. Cabia-lhe a ela decidir o que fazer: respeitar a vontade deles... ou tentar, apesar de tudo.

11 comentários:

Anónimo disse...

A história está fantástica!
Foi uma surpresa muito agradável ler este pequeno texto cheio de sensibilidade e talento...
Não é por ser minha filha :) mas a Maria promete!

Rita Vilela disse...

A Maria promete... sem dúvida nenhuma!
Tens uma filha muito especial, com condições de chegar onde ela quiser!
Mil beijos às duas

Anónimo disse...

Está assombroso!

Simplesmente fantástico!

Adorei mesmo muito! Quem me dera escrever assim! Eu escrevo razoavelmente mas se eu soubesse escrever assim realmente podia ter orgulho nisso!

Beijinhos e Boa Sorte para a escritora deste pequeno mas cheio texto...realmente tem futuro!
Ariana Silva.

Afonso disse...

Ela vai ficar a ouvir-me a elogiar a história dela durante o 2º Período. É só eu pôr-lhe a vista em cima ;)

Rita Vilela disse...

Olá, Ariana e Afonso
Ariana, não sei o que se passou, mas descobri agora vários comentários teus a que não respondi :( Não volta a acontecer :)
Vou trasnmiir à Maria... ou melhor, vou pedir ao Afonso que transmita.

Afonso, quando vires a Maria transmites-lhe também a opinião da Ariana?
Obrigada
Beijinhos para ambos e obrigada pelos comentários

Rita Vilela disse...

Mais uma coisa, Ariana
Tu também tens futuro... Toca a escrever histórias à altura dessa imaginação.

Raquel disse...

gostei imenso! muito giro mesmo!
posso só fazer uma pergunta? há quanto tempo é que isto foi? ou seja, a Maria agora está em que ano?

Rita Vilela disse...

Olá, Raquel

Deve ter sido em 2009, mas eu vou-lhe dizer que deixaste aqui este comentário e ela será capaz de te responder melhor do que eu.
Um beijinho

Ana Sofia Caetano disse...

Olá a todos
Esta história foi escrita no 9 ano, a Maria agora está no 11ºano, a caminho do 12º na area de humanidades!Beijinhos a todos da
Mãe(babada)

Raquel disse...

ah, ok. obrigada :) é que eu também ando nessa escola e é óptimo saber que não sou a única a gostar de Oníris :D

Rita Vilela disse...

Olá, Raquel

Foi na tua escola que eu fiz a minha primeira visita de autor. Além de ti e da Maria, Oníris já é conhecido de mais alunos dessa escola.
Beijinhos