Mergulho no Infinito

Conto vencedor do concurso Conto Fantástico

Mergulho no Infinito de Ana Rita Pereira e Ana Sofia Rato

Não sabia porque é que ele tinha feito aquilo… olhava para o precipício à minha frente e continuava sem perceber… porquê eu?! – via as lágrimas a caírem no mar lá em baixo… gritei:

- Porquê eu?! – Mas ninguém respondeu…

Tinham-me avisado que ele não era bom para mim... Até a minha melhor amiga... Estava cega... Amava-o e só isso me interessava! Ele era TUDO…

*Flashback*

Era perfeito!! Tínhamos tudo combinado!! Ele ia adorar!! A Ana ajudou-me, como é óbvio. Era a minha mais que tudo desde que nos tínhamos conhecido. Além disso ela adorava-o, não do mesmo jeito que eu, mas adorava-o. Entrei pela janela da sala com o bolo na mão (não fecha, já entrei em casa dele varias vezes assim) e gritei: SURPREEE….

*End of Flashback*

Quis saltar… Era agora… Ia acabar com todo este sofrimento… Porém…. Uma estranha sensação de calma invade-me… Sinto-me bem… Todos os meus problemas… Aquela dor no peito… Desapareceu tudo… Como… Se não houvesse motivo para estar ali….

Dou um passo atrás… Eu já não quero estar ali… De repente vejo-o. Está a olhar para mim. Ia jurar que não estava ali antes….

Aqueles olhos cinzentos sempre me intrigaram… Cinzentos? Não, azuis… Ainda mais estranho… Tem um corpo desumanamente perfeito, ainda para mais para alguém da idade dele… Chama-se Sievert… Não é de cá… Veio há pouco tempo de Amesterdão…

Ele chama-me: ‘Isabel… Sai daí meu amor… Ele não merece que estejas assim… Por favor…’

*Flashback*

Não queria acreditar no que os meus olhos viam… Ele… O meu amor… O meu Victor… Estava no sofá… Com aquela… Aquela… Com a Amanda….. E eles não estavam propriamente a ver um filme… Eles… Oh meu Deus… Larguei tudo… Saí dali a correr… Meti-me no carro da Ana e fugi… Ela há-de perceber…

*End of Flashback*

‘Que fazes tu aqui? Eu não preciso da tua ajuda…’ – disse eu.

‘Pelos vistos precisas… Sua tonta… Deves achar que assim resolves alguma coisa…’

Nunca me tinha apercebido que ele tinha uma voz tão meiga… Não costuma falar muito nas aulas…

Ele esticou a mão na minha direcção… Aceitei… Fomos de mãos dadas até ao meu carro (da Ana por acaso)…

*Flashback*

Só queria morrer… O precipício! Era isso! Acelerei a fundo… Eu ia atirar-me… Dois anos… Dois anos… ‘Ele mudou!’ dizia eu… Mudou… Os homens não mudam… Eu não ia conseguir olhá-lo de frente… Eu não ia conseguir viver mais… Muito menos sem ele… Sem o meu Victor…

*End of Flashback*

‘Vamos, mete o cinto. Não quero que te magoes. E pára de pensar em morrer!! Estou cheio de dores de cabeça à tua conta!!’

Dores de cabeça…? À minha conta…? Mas que raio… A única coisa que exteriorizei foi:

‘Ah…’

Boa Isabel! Ah… Foi muito inteligente! Mas ele não parecia ter-se apercebido da minha falta de imaginação… Olhou para mim e sorriu…

Aquele sorriso…

*Flashback*

‘Anda daí parvinha, não tenhas medo!’ – disse ele com aquele sorriso que me derrete…

‘Não consigo, Victor! Eu não sou a Amanda, não faço escalada!!’ – respondi tentado parecer séria.
‘Olha que vou aí buscar-te!’ – ameaçou em tom brincalhão.

‘Ahah! Quero ver……

*End of Flashback*

‘Isabel!! Isabel pára!! Estou farto dessas memórias lamechas!! Ele traiu-te, Isabel! Pára de pensar nele!’

Uma voz dura trouxe-me de volta à realidade… Nem parecia o mesmo Sievert de há pouco… Os olhos estavam cinzentos, quase pretos… O maxilar cerrado… E todos os vestígios daquele sorriso tinham desaparecido….

De repente tudo voltou ao normal… Falou-me numa voz doce:

‘Meu amor… Já te disse que me dói a cabeça… Tenta ser simpática, sim, querida?’

‘Hamm… Sim, desculpa… Explica-me só… Estou curiosa… Desculpa se estou a ser intrometida… («Pára de divagar estúpida!!») Porquê… Hamm… Porquê a dor de cabeça…?

O carro parou bruscamente e ele olhou-me de frente… Bem nos olhos… Um olhar que me trespassou o corpo e a alma…

‘Querida… O livro que andas a ler… Não te diz nada sobre Sympaths?’

Sympaths? Mas ele estava a gozar com quem?? Sympaths eram apenas criaturas inventadas por J.R.Ward para a nova colecção dela: ‘The Black Dagger Brotherhood’. Criaturas com aparência humana, no entanto, muito mais belas e com corpos desumanos… Ok… Calma… Não… Não sejas parva, Isabel! Não é possível existir na terra uma criatura que controla e se alimenta de…. Aiiii!! SENTIMENTOS!! Oh meu Deus!!!! Eu estava no carro com uma das personagens inventadas (que afinal existe mesmo!!) que mais me tocou!!!

‘Sievert… Tu…’

‘Vês como tu chegaste lá?’ – Disse, sorrindo.

‘Anda, vou levar-te para casa.’

‘NÃOO!!’ – gritei – ‘A Ana deve lá estar… Não me apetece falar com ela agora…’

‘Percebo… Vamos para a minha então.’

Mudámos de direcção. Eu ia para a casa dele… Meu… Eu ia para a casa dum sympath…

De repente apercebi-me… Os flashbacks haviam parado…

‘Senta-te, querida. Até te oferecia algo para comer mas…’

‘Ah… Não te preocupes com isso… Eu também não tenho fome…’

Eu tinha de perguntar… Eu tinha mesmo de perguntar…

‘Sievert… Eu li que um… Um sympath não consegue expressar amor, não consegue ser carinhoso… Sem ser… Pela… Pela sua alma gémea…’

‘Sim, querida. É isso mesmo.’

‘Então tu… Tu… Quer dizer eu… («oh boa! Estava a gaguejar! Perfeito!»)’

‘Sim, Isabel, eu amo-te.’

Oh, meu Deus, QUE SORRISO, QUE OLHOS, QUE VOZ!!!

Ele começou a aproximar-se… Eu sentia-me… Estranhamente bem! Nunca me senti muito à vontade para… isto… Nem com o Victor… Mas bolas, eu tenho 18 anos! E ele… o Sievert… Era tão perfeito…

Perdi a noção do tempo… Do espaço… Do Mundo… Ele era do outro Mundo e durante uma noite eu tinha sido também…

Quando acordei de manhã todas as minhas memórias do dia anterior não eram mais que meras imagens. Já não doía pensar nisso. Eu estava bem, estava realmente feliz.

Olhei para o lado.

Não, não tinha sido um sonho… Ele estava mesmo ali ao meu lado… A olhar para mim com aqueles olhos azuis que eu tanto amo…

Sim… Amo… É a palavra certa… Descobri o que é o amor, o amor verdadeiro, ao tentar suicidar-me… Irónico não?

Há quem diga que o amor se trabalha, que o amor leva tempo…

Pois estão enganados… O amor é algo espontâneo… Lindo e natural…

Amo-o… Só não sei como não o tinha visto antes…

‘Promete-me uma coisa…’ – disse ele ao mesmo tempo que afagava o meu cabelo negro.

‘Diz, querido.’ – Estranhei um pouco aquele tom grave…

‘As tuas emoções vão ser só minhas… Para sempre…’ – e beijou-me os lábios devagar.

‘Sim meu amor… Para sempre.’ – Retribui aquele beijo doce.

*PUM PUM PUM*

A nossa troca de olhares é interrompida por umas pancadas secas na porta.

Mas que raio…

‘Fica aqui querida.’

Sievert sorri mas eu vejo-o, os seus olhos estão outra vez naquele tom assustador…

Quando ele voltou para a cama, para ao pé de mim, os seus olhos voltaram ao normal.

‘Quem era, amor?’

‘Ninguém, Isabel. Descansa, querida. Estás a precisar. – e sorriu-me com um olhar maroto.

Fiz o que ele disse, estava realmente cansada.

À tarde quando acordei fui à procura da Ana. Ela devia estar preocupada… Estava mesmo!

Fez um filme enorme e deu-me uma descasca descomunal e depois caímos as duas nos braços uma da outra a chorar.

Contei-lhe tudo e ela disse que tinha falado com o Victor e que ele tinha deixado a Amanda e ido à minha procura:

‘Eu disse-lhe que já era tarde demais e que ele nem se atrevesse a tentar nada contigo de novo mas ele é tão anormal que acho que não percebeu. Mas também valeu a pena, nem que fosse só para ver a cara da Amanda. – riu alto – Ele foi à tua procura. Não o viste?’

Engoli em seco… Eu sabia o que tinha acontecido…

‘Não, não me cruzei com ele…’ – limitei-me a dizer.

Odiava mentir à Ana mas… o Sievert merecia… Além disso… Ele não era humano… Tinha desculpa…

Dali a uma semana foi o funeral do Victor. O corpo dele estava desfeito. Amanda não foi. E eu fui lá só porque o Sievert insistiu. Ele era melhor pessoa que eu e nem sequer era pessoa.

Fiquei com o meu amor. Para sempre. E quando digo para sempre… Não é só para ficar bonito…

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