A história da Ariana Silva

Esta é uma excelente intriga da autoria de Ariana Silva, de 15 anos, com duas personagens sangui bem conhecidas, que foi criada em resposta ao desafio de escrita criativa.
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Obrigada, Ariana, é uma história que revela grande fôlego e muito talento.
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As duas luas tocaram-se no céu. Era a hora marcada para o encontro. A anciã olhou em volta, constatando mais uma vez que a enorme clareira estava vazia.Todos tinham sido avisados, o assunto era da maior importância... porque não aparecia ninguém?
E então eles começaram a chegar, cada um trazendo um relato diferente sobre as dificuldades e os perigos que tinha enfrentado para chegar até ali. Uns falavam muito, outros quase nada...
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Apesar de tudo havia aqueles que ainda acreditavam que os Sanguis guardavam alguma bondade e solidariedade dentro de si… acreditavam que podiam mudar… Poucos mantinham esta opinião mesmo que à chegada aquele território tivessem partilhado dela… Haviam conhecido o poder da raça Sangui quando unida… Se um Sangui sozinho já era perigoso… então toda uma comunidade junta e organizada! Seria impensável acreditar que depois de tanto tempo todos juntos ainda houvesse a possibilidade, a esperança, de uma mudança que fosse suficientemente profunda para abalar as bases da sua criação levando-os a aceitar e sobretudo a respeitar as outras raças! A anciã reflectia enquanto ouvia as opiniões dos Verdis ali reunidos. Também ela acreditava que os Sanguis ainda tinham esperança. Mas, e enquanto não estivessem em maior número e numa posição favorável à sua segurança, nada poderiam fazer a esse respeito. Teriam de esperar, e tentar sair dali vivos. Só depois poderiam tomar alguma decisão a esse respeito! Os restantes Verdis discutiam, aparentemente indiferentes ao facto de poderem não estar a ser completamente escutados. Finalmente a anciã falou e a sua voz suave e carregada de doçura ecoou pela clareira.
Enquanto ela falava alguém a escutava que sem que ela se apercebesse totalmente não fazia parte daquele grupo. Alguém que apesar de ter estado calado todo o tempo, estava com os ouvidos bem abertos à escuta de todos os pormenores! Chamava-se Erik e estava espantado por ainda não ter sido descoberto sendo os Verdis um povo tão atento. Mas esse momento havia de chegar, mais cedo ou mais tarde. Enquanto estava absorvido nos seus pensamentos o jovem Sangui não deu pela diminuição progressiva da discussão, nem pelo número de olhares que o observavam curiosos e desconfiados…O Sangui tinha conseguido disfarçar a cor do cabelo com uma mistura especial de ervas que a Guarda lhe tinha fornecido e um lenço mas agora, com a humidade do ar da noite e o orvalho a cor começava a desvanecer passando de um verde vivo para um vermelho sangue com uma rapidez surpreendente e despertando a atenção e interesse dos restantes Verdis. Alguém se aproximou e exclamou:
– É um Sangui!
Seguiu-se um silêncio consternado. «Um Sangui?» questionavam-se todos confusos com a presença do infiltrado entre eles depois de todas as precauções que haviam tomado para não serem descobertos. Finalmente, como que tomando consciência do facto, todos se levantaram de repente e se aproximaram gritando sugestões ou simplesmente murmurando, aturdidos com a notícia.A solução mais eficaz era matá-lo, mas não estava na natureza calma e pacífica dos Verdis matar ou fazer mal a que quer que fosse. Por isso a pergunta mantinha-se «O que fazer ao Sangui?». Agora que tinha ouvido todos os seus planos (não que fossem muitos) e até sabia onde se reuniam, não havia qualquer possibilidade de o poderem deixar partir. No dia seguinte ou nesse mesmo dia estariam rodeados de Sanguis, provavelmente para serem mortos ou feitos escravos.
Enquanto todos reflectiam sobre o problema Erik pensava na melhor maneira de fugir. Aceitara aquela missão. Tinham-lhe dito, apesar de ele não ter acreditado, que os Verdis eram uma raça que tentaria dominar aquele território e que a sua suposta natureza era apenas um disfarce… mas quem o enviara desconhecia que ele já conhecera vários Verdis. No entanto pensou que o facto de aquele grupo específico ter estado ali tanto tempo os tivesse transformado e que a Guarda tomara uma parte por um todo. Agora, percebia aquilo que deveria ter sido óbvio desde o princípio: que lhe tinham enchido os ouvidos com mentiras, somente para que ele fizesse tudo bem. Então, decidiu que não queria pertencer a uma raça que queria escravizar e dominar os Verdis sob pretextos falsos e ferozes. Não quando lhe tinham mentido para que tomasse parte nessa tarefa. Erik percebia agora que a única coisa que aqueles Verdis queriam era ir para casa em segurança e viver as suas vidas, há muito perdidas.
Enquanto, os restantes Verdis também discutiam:
– Não podemos deixá-lo ir. Se for irá contar.
– Sugeres então que o mantenhamos prisioneiro até chegarmos ao nosso território? Isso vai durar muitos, demasiados ciclos lunares. Não podemos olhar por nós e ao mesmo tempo verificar se ele ainda está connosco!
– Não. Não podemos mantê-lo prisioneiro até chegarmos ao nosso território. Teremos de o manter connosco para sempre… ou, mal se visse livre correria para cá outra vez.
Era neste pé que as coisas estavam quando Erik se levantou e falou:
– Se me permitem – começou ele, vendo que uma dúzia de olhares lhe seguia todos os movimentos – eu não quero partir… quero ficar convosco! Quem me mandou mentiu-me e eu sou um deles e eles gostam de mim, na medida do que um Sangui pode gostar de outro para além de si. Imagino, demasiado bem até, o que eles fariam a um Sangui que falhou uma missão de tão grande importância. Por favor deixem-me ficar. Se eu voltar teria de lhes dizer onde vocês estão ou iria ser preso e eu não quero denunciar-vos! Por favor deixem-me ficar – suplicou Erik com os olhos brilhantes carregados de vergonha. Sentia-se humilhado. Não era próprio de um Sangui pedir o que quer que fosse… quanto mais suplicar. Mas ele tinha descoberto naquelas horas em que estivera com os Verdis que não queria ficar com os Sanguis. Já estivera com um grupo de várias raças e fora-lhe muito difícil readaptar-se a um de uma só raça. Desejava voltar para esse grupo mas não podia. Agora podia sair dali que lhe fizessem perguntas. E por espantoso que possa parecer, ele queria que isso acontecesse. Teriam de ser rápidos se quisessem fugir. Mais tarde um dos Sanguis que o tinham posto naquela alhada iria buscá-lo! Não podiam demorar-se. Erik debatia-se com estes pensamentos. Tinha receio de que se falasse os Verdis pensassem que os estava a enganar mas tinham de se despachar. Pela manhã, quando vissem que ele não regressava com quem o iria buscar, mandariam guardas procurá-lo. Assim que vissem que não encontravam ninguém aperceber-se-iam da traição de Erik e, se o apanhassem, mandariam prendê-lo. Ou então haveria uma pequeníssima probabilidade de julgarem que tinha sido capturado…
– Estás ciente do que dizes? Como é possível que queiras ficar connosco a ir ter com os da tua raça?! Não estás a tentar enganar-nos… isso é óbvio e no entanto não podemos deixar de pensar que não fazes isto apenas para nos ajudar. Quais são os teus motivos. O que pretendes fazer? – questionou-o o mais próximo dos Verdis.O espanto provocado pelas palavras de Erik era presente nas palavras do Verdi… assim como nas caras de todos os outros. Erik decidiu-se pela verdade; ou apenas parte dela. De nada lhe serviria tentar mentir. A sua posição não lhe dava espaço de manobra. Mesmo que os Verdis não o quisessem magoar era bem provável que o deixassem amarrado a uma árvore até alguém o encontrar.
– Se eu voltar e não lhes contar os vossos planos irão prender-me! Vocês acham que a minha raça é cruel e têm razão. Eles fazem de tudo para conseguir o que querem. Sacrificam-se a eles próprios se necessário e se as coisas não resultam como planeado ficam furiosos. A ambição é enorme. Não posso voltar.
– Claro, eu logo vi que os teus motivos não eram só aqueles… – começou outro Verdi, mas calou-se com um olhar da anciã.
– Jovem, como te chamas… ainda não sabemos o teu nome – disse ela.
– Chamo-me Erik – respondeu este humildemente, sentindo-se envergonhado com a humildade que demonstrava. Ele não tolerava aquele sentimento vindo dele.
– Muito bem. Estamos dispostos a dar-te uma oportunidade. Sabemos algumas coisas sobre os Sanguis. Sabemos o que eles te podem fazer. Não creio que os teus motivos sejam apenas esses – olhou Erik nos olhos e este deixou esboçar um meio sorriso. A anciã não tinha feito uma pergunta – mas – continuou ela – não és obrigado a contar-nos tudo. Não precisamos de saber. O que queremos realmente saber é se estás disposto a arriscar-te por nós. Sei como foi difícil para ti formular esse pedido e estou certa de que nos ajudarás mas quero ouvi-lo de ti.
– Sim – murmurou Erik.
– Muito bem. Passarás a estar connosco nas reuniões futuras nesta mesma clareira…
– Não pode ser aqui. Eles conhecem o local! - interrompeu Erik com um timbre de terror na voz trémula.
– Como dizes? Como é que souberam? Pois, se tu estás aqui é normal que conheçam o local.
– Não sei. Eles não me contaram. E do pouco que me contaram grande parte foram mentiras.
– É certo. Que astúcia…
A anciã olhou pensativa para o céu… «Bem agora isso não é o mais importante» murmurou para consigo. Todos os outros aguardavam ansiosamente as suas palavras.
– Por hoje já não podemos fazer mais nada… voltaremos a reunir… noutro local… eu informar-vos-ei com alguma antecedência. – dirigiu-se para Erik com gravidade – Podes ficar comigo a partir de agora. Ao primeiro sinal de traição… entregar-te-emos ao destino… Mostra que és digno da nossa confiança.
– Assim farei… Obrigado – foi tudo o que Erik conseguiu dizer naquele momento, não por estar emocionado mas apenas por se achar fraco a submeter-se daquela forma a alguém que ele poderia facilmente vencer.

A posição das luas, já perto do solo, indicava que o sol não tardaria a nascer. Cada momento contava, agora... Não poderiam permanecer reunidos por muito mais tempo. O grupo dispersou.
De novo sozinha, a anciã reflectiu sobre o que se passara nessa noite. Todos aqueles atrasos não podiam ser coincidência. Os deuses não deveriam desejar que se tomassem medidas. Cabia-lhe a ela decidir o que fazer: respeitar a vontade deles... ou tentar, apesar de tudo.


A anciã regressou ao seu abrigo, no meio das árvores seguida pelo Sangui de quem se esquecera momentaneamente… este sentia-se admirado pela forma como ela não se perdia no meio de um bosque em que as árvores pareciam todas iguais… obviamente não conhecia o sentido de orientação magnética dos Verdis. Sabia que Seara era capaz de fazer aquilo mas pensou que era por estar habituada a orientar-se. Assim que chegaram a anciã improvisou uma cama para Erik com folhas. Instalou-se entre ambos um silêncio pensativo e pesado. Nenhum dos dois sabia o que dizer… Durante o caminho, a anciã perguntara-se várias vezes se deveria confiar no Sangui… gostava de lhe fazer perguntas, de encontrar algumas respostas… mas tinha medo das respostas! Queria conversar com ele. Ele conhecia o território, quase de certeza, e era astuto… podia ajudá-los… não se tinham atrevido a aventurar muito no território para o explorar com receio de serem apanhados mas ele conhecia-o de certeza… devia saber qual o melhor esconderijo! Decidiu perguntar-lhe! Afinal… não tinha nada a perder… se ele não os ajudasse estaria a arriscar a própria pele…
– Erik… – começou a anciã…
Erik estremeceu… reparara que a anciã estivera a pensar e tinha medo do que lhe pudesse dizer! Podia ser que tivesse mudado de ideias e tivesse decidido entregá-lo à sua sorte… afinal de contas.
– Tenho estado a pensar – continuou a anciã – e acho que nos podes ajudar. Sabes mais do que contas e certamente conheces todo o território melhor do que nós… como podes calcular não nos atrevemos a explorá-lo mesmo conseguindo orientarmo-nos… não podemos correr o risco de ser apanhados… precisamos de um esconderijo! Estou certa? Conseguimos conhecer algumas partes do território mas tu deves conhecê-lo muito melhor…
– É verdade… e estou disposto a ajudar… mesmo que fizesse jogo duplo teria de vos ajudar e seria castigado por isso, portanto… já não tenho nada a perder!
– Conheces algum local minimamente próximo. Diz-me qual?
– Há uma clareira… bastante espaçosa onde, julgo, caberíamos todos… Fica a duas noites de viagem. Até haveria a possibilidade de lá ficarmos… as árvores são frondosas… podemos com alguma madeira e folhas construir alguns abrigos… não somos tantos quanto isso… e já não se punha o problema das deslocações e dos perigos.
– Se é como dizes, partiremos já esta noite… não temos tempo a perder… eu logo avisarei todos os outros! Trata agora de descansar… vejo que passas-te o dia à espera e estás arrasado… não é para menos.E assim ficou decidido… todos os Verdis foram ter à clareira mencionada sem problemas de maior…
As reuniões sucederam-se… a cada nova reunião a fuga ganhava vida! Dali a um ou dois dias estariam prontos para partir! As árvores estavam carregadas de mantimentos e outras ferramentas de que iriam necessitar…Foi na última destas reuniões que o inesperado aconteceu… apareceu na clareira uma pessoa montada numa zebra e com um falcão ao ombro… cabelo vermelho sangue… expressão determinada e para quem conseguisse ver um pouco mais além um tanto triste, desolada, apática… mas este pormenores escaparam a toda a gente… até à anciã! Felizmente todos os Verdis estavam nas árvores… tão silenciosos como as folhas! Erik conhecia-a… Aquela Sangui! Que fazia a sua irmã ali? Erik imaginava-a com Marcus no povoado... tinha voltado ao seu território… e Capa voltara para o território Nili! Tanto quanto sabia casara com Marcus antes de ter partido numa missão a chefiar algumas setas Nilis e com o fracasso da mesma voltara para os Nilis… mas assim sendo: que diabo fazia ela ali? Com o espanto e na ânsia de confirmar as suas suspeitas Erik desequilibrou-se provocando ruído na árvore, o que despertou a atenção de Capa. Desmontou e aproximou-se. Erik estava em pânico… conhecia a expressão que a irmã ostentava naquele momento e não agoirava nada de bom! Que saberia ela? Porque estaria ali? Porque estava exactamente naquele local? A única certeza de Erik era que Capa se queria vingar por ele ter fracassado quando ela lhe pediu ajuda… mas seria que Capa era capaz de condenar o próprio irmão à prisão? Erik não tinha dúvidas neste aspecto, aliás ela já o fizera anteriormente quando podia evitá-lo com uma palavra… a questão era se saberia Capa que isso podia acontecer… Naquele momento Capa encontrava-se a menos de braçada e meia da árvore… Erik decidiu-se… Tinha de tentar safar os Verdis… se conseguisse sobreviviam todos se não, bem… se não ao menos só ele seria apanhado! «Que estou eu a fazer? Eu não sou assim!» Erik saltou da árvore e mal teve tempo de se recompor antes de Capa chegar a ele. Falou-lhe com uma coragem que não sentia:
– Olá. Que fazes aqui?
– Deixa-te de rodei-os. Sei o que andas a fazer!
– O que ando eu a fazer, então?
Capa retraiu-se. Erik sorriu triunfante. Capa tentara enganá-lo. Ele bem que a conhecia. Por momentos pensou se não seria isso que ela queria que ele pensasse! Tentou por essa ideia de parte, não podia ser. Mas Capa não desistia facilmente:
– Não é bom de certeza, senão não demoravas a vir ter comigo. - disse Capa maliciosamente.
– Não sei bem se seria assim. Nunca se sabe contra quem é que te vais virar a seguir. O que é que queres de mim. Não tinhas voltado com os Nilis?
– Sim. Mas soube que deverias ter voltado há uns dias para passares as informações sobre os Verdis e não o fizeste. Desapareces-te do mapa por completo. Julgaram que tinhas traído os teus. Espero que estejam enganados, que tenhas sido apanhado e levado involuntariamente! - Capa sussurrou isto com voz sedutora, sarcástica, elegante… triunfante.
Erik conhecia o jogo dela. Mas ainda não mencionara os Verdis…! Devia pensar que estavam fora ou noutro sítio. Sim só podia ser isso…
– Não creio que tenhas sido idiota a ponto de andares com os Verdis! Se fosses apanhado, não só não poderias dar a desculpa de os estares a seguir e não teres como comunicar como serias preso… - Capa terminou este discurso bastante contente. Erik sabia que isso era uma das coisas que ela mais desejava: vê-lo preso novamente!
– Bem, não vale a pena enganar-te está visto! – disse Erik, sarcástico.
– Pois não… o que andas a fazer então?
Em cima das árvores os Verdis esperavam… e se Erik os traísse? Afinal podia ir-se embora… e aquela Capa podia enviar uma mensagem. Lá em baixo a conversa continuava…
– Não creio que tenha de te dar justificações…
– Não tens… mas vais… ou alguém poderia dizer que te viu com os Verdis… a fugir…
– E esse alguém iria provar isso como?
­– Acho que esse alguém não precisa de dar provas à Guarda… já ganhou a confiança deles…
– De forma perfeitamente honesta se bem imagino… - troçou Erik sentindo-se perfeitamente à vontade. «Se a Capa ainda não fez nada é porque tem algum interesse em ter-me vivo. Com certeza que ela quer provar que é de confiança à Guarda. Não só usando da chantagem que sempre faz mas uma prova honesta de que podem confiar nela. Capa é esperta e para além do mais astuciosa. Obviamente quer algo da Guarda que ainda não conseguiu por isso tenciona usar-me como moeda de troca» - pensou Erik mas não disse mais nada em voz alta.
– Bem convidava-te a ficar mas tenho que continuar. Afinal não quero desiludir quem me enviou nesta missão.
– Nem eu aceitava. Passo bem sem ter de estar contigo. Mas não vais ficar!
– Ai não?
– Não. Tenho de te levar comigo. Mais. Eu quero levar-te comigo.
– O que vais ganhar com isso. O que combinas-te desta vez Capa, hem? Quem é que chantageaste? E em troca de quê? – Erik disparou isto directamente com intenção de deitar Capa abaixo… de fazer com que ela falasse.
– Não combinei nada. Simplesmente tu tens que vir comigo e pronto. Mais nada. Vens e acabou. O que quer que saibas vais contar à Guarda e eles continuam… Há uma pequena surpresa à tua espera quando chegares. Não queres desiludir quem a preparou? – Enquanto falava Capa enrolava as palavras como se estivesse a saborear o efeito produzido, o seu significado…juntando-lhes um indetectável toque de resmunguice…
– De certeza que não vão ficar assim tããããoooo desiludidos como isso se eu não aparecer. – disse Erik sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha… ele bem sabia que surpresa o esperava. Tinha desobedecido às ordens de um superior independentemente das intenções que supostamente o justificavam.
Capa estava a ficar aborrecida. Não esperava que o irmão desse tanta luta. Ela sabia que se o tentasse levar à força ele ganhava. Tinha de conseguir de outra forma.
– Bem surpreende-me que ainda não tenhas sido apanhado. Tu não costumas conseguir enganar alguém durante tanto tempo. Geralmente acabas a fugir das consequências. – Capa tentava desesperadamente mudar de assunto. Queria tocar no ponto fraco de Erik. Acabar com a auto-estima dele para levá-lo a fazer aquilo que ELA queria!
– Sabes, aprendi com a melhor… tu sempre foste boa professora nesse aspecto. – ripostou Erik com um sorriso.
– Depois disto, não posso dizer que tu tenhas sido mau aluno. – Capa sorriu. Sabia que era verdade. Ela sempre fora boa no que tocava a ludibriar, enganar, a seduzir, para conseguir o que queria. «E está na hora de usar esses dotes outra vez. TENHO de convencer o Erik a vir comigo…» Enquanto Capa pensava, Erik tentava descobrir uma solução. Os Verdis tinham tempo de sobra para chegar à passagem enquanto eles voltavam mas era se Capa não mandasse uma mensagem pelo falcão. A anciã pensava o mesmo. Se Erik fosse com ela os Verdis podiam perfeitamente chegar à passagem por ele indicada. E ela julgava que Erik ao transmitir as informações - teria de ser ele pois, obviamente, a recém-chegada não sabia de nada que pudesse ter qualquer valor – tentaria encobri-los, claro, sem se comprometer. «Tenho de me livrar do falcão!» - concluiu Erik ao mesmo tempo que a anciã. A anciã sabia o que ele estava a pensar. E também sabia como atrair o falcão sem fazer ruídos que indicassem a sua presença ali. Chamou o falcão que com um bater de asas levantou voo do dorso da zebra e fugiu para uma árvore ali próxima. Capa, completamente apanhada de surpresa, não pôde fazer nada. Resmungou e Erik sorriu disfarçadamente. Sabia o motivo da fuga repentina do animal: tinha de ter sido um dos Verdis que lhe seguira a linha de pensamento e chamara a ave.
– Parece que os animais da Guarda andam a perder o sentido de obediência! – gracejou.
– Cala-te e ajuda-me a apanhá-lo. – resmungou Capa.
– Para quê? – Erik lembrara-se, finalmente, de uma solução. Esta pergunta teve o condão de paralisar Capa, que ficou de boca aberta.
– Para quê? Para podermos mandar uma mensagem a informar do esconderijo dos Verdis! Para podermos comunicar! – explicou Capa completamente apanhada de surpresa!
– Para quê? – repetiu Erik – afinal… ninguém sabe que aqui estou, estamos, e ainda lhes faltam muitos preparativos antes de partirem. Temos tempo de ir contar e eles têm tempo de vir e de os apanhar! Para quê perder tempo a apanhar um falcão! Especialmente quando as hipóteses de isso acontecer são uma num milhão?!
– Partindo do princípio de que concordo contigo o que é que esperas que diga à Guarda?! Como tu disseste as hipóteses de o apanharmos são ínfimas e está domesticado. Fazes ideia do tempo que leva a apanhar e domesticar um falcão selvagem? – Capa estava quase histérica. Perdera o falcão da Guarda - o melhor de todos eles - Erik não parecia disposto a acompanhá-la. Obviamente sabia o que o esperava… os Verdis não estavam ali e tanto quanto sabia podiam mudar de sítio a qualquer momento… resumindo nada lhe corria como planeado, algo a que Capa não estava habituada. Costumava conseguir tudo com rapidez e eficácia e mesmo que tivesse um problema resolvia-o facilmente. Agora tudo parecia um problema com a diferença de que não tinha solução.
– Dizes que se deve ter perdido quando enviámos a mensagem. – respondeu Erik, tão prontamente, que conseguiu mais uma vez deixar Capa de boca aberta.
– Agora mentes, enganas, raciocinas quase tão bem como eu! O que é que te fizeram?! – exclamou Capa sem se conter. Normalmente não elogiava ninguém. Erik percebeu o espanto da irmã e preparou-se para tentar enganá-la.
– Bem vamos embora contar-lhes tudo isto!? Ou ficámos aqui à espera que apareça um Verdi e dê o alarme? É que não te quero desiludir mas por poucos que eles sejam ainda são mais que nós. Se nos apanham não nos deixam fugir.
– Claro. Vamos embora. Afinal, depois de tanto os teres perseguido já deves saber muita coisa. O suficiente para prevermos o seu percurso. – replicou Capa recuperando o toque sarcástico que sempre acompanhava a sua fala e perdido durante o momento de surpresa. Conseguira. Erik ia acompanhá-la. Os Verdis encontravam-se realmente naquela zona como Erik acabara de confirmar e já sabia o que dizer a propósito do falcão! Tudo corria como planeado. «E já não era sem tempo…», pensou ela satisfeita. E partiram…
Durante os dias que se seguiram, Capa e Erik mal se falaram. Doze dias depois chegavam ao povoado Sangui e dirigiram-se para a Guarda onde Erik falou durante quinze minutos tentando não dar qualquer pormenor útil na caça aos Verdis ou que denunciasse a sua traição.
– Eles combinaram… hum… ir para…
– Vamos lá! Vais demorar? – perguntou o chefe da seta encarregada demonstrando sinais de impaciência.
– Bem se te der a referência errada não vale de muito pois não? Exacto! Eles combinaram ir para su-sudeste – finalizou Erik triunfante. «Consegui, enganei-os!»
– Su-sudeste? – estranhou ele.
– Sim!
– Muito bem… partimos imediatamente! Queres acompanhar-nos?
– Hum… errr… A proposta é tentadora mas quero descansar… estou cansado de perseguições… se precisarem de ajuda mandem-me um falcão! – acabou por responder Erik, tentando arranjar forma de recusar sem no entanto dar a entender as verdadeiras razões da recusa…- se tiverem dúvidas quanto ao caminho a seguir perguntem-me por um falcão… não vale a pena perder tempo desnecessariamente.
– Hum… não teremos… se disseste a verdade! – insinuou o chefe.
– Claro! – resmungou Erik…- que mais poderia fazer!? E a conversa por ali ficou… À saída Erik encontrou Capa que lhe disse:
– Conseguiste safar-te mas a sorte não dura sempre… - sibilou ela trocista.
– Eu não preciso de sorte! Tenho-me a mim e isso basta! – ripostou Erik com ar arrogante.
Passado um ciclo lunar a seta Sangui regressou e mandou chamar Erik… Quando soube que tinha sido chamado Erik estremeceu e pensou… «É agora… posso fugir e aí não tenho quaisquer hipóteses de me safar se for apanhado ou posso rezar para que não me culpem de nada e ir meter-me na boca do Sauris!» Decidiu ir… «Afinal… sempre tenho mais hipóteses se for!» Chegou ao local onde se encontrava estabelecida a Guarda e entrou.
– Não encontraram os Verdis… é óbvio que ele vos traiu! – Erik parou repentinamente atrás da porta. Queria ver se iam tomar alguma decisão ou se ainda valia a pena tentar defender-se.
– Não sabemos… os Verdis podem ter terminado as suas coisas e partido noutra direcção!
– E tencionas acreditar nisso?! – Erik reconheceu aquela voz como sendo de Capa. Estremeceu… Se Capa se metesse ao barulho podia dizer coisas que não era conveniente que se soubessem.
– Claro! Os Verdis querem tanto ser apanhados como tornarem-se escravos! Podem de repente ter decidido que iam noutra direcção! Como queres que saiba! Além disso não me venhas com histórias de ele não ter ido ao teu encontro mal te viu!
– Porquê?! – ripostou Capa fingindo-se indignada. Ela bem que sabia a resposta.
– Porque vocês nunca se deram bem e ele não sabia as tuas intenções! Eu dei-lhe esta tarefa porque confiava nele, menina! Tinha muitas outras pessoas a quem a pudesse confiar! Não me tomes por imprudente ou ingénuo! De certeza que ele não nos traiu! – respondeu o chefe de forma altiva não lhe agradando o tom de voz de Capa. Por outro lado Capa não era pessoa que se deixasse intimidar por meia dúzia de golfadas de ar.
– Não me chames menina! E já agora! Diz-me só mais uma coisa: punhas as mãos no fogo a defender Erik!? Ragus hesitou… o que saberia Capa. Tinha um brilho malévolo nos olhos como se estivesse pronta a disparar mais acusações se não tivesse o que queria… como se soubesse algo mais…
– Tens… alguma coisa que me queres contar? – abordou-a ele, reticente.
– Não, nada – disparou ela. Mas sabia que aquele nada estava cheio de reticências.Entretanto Erik decidiu que estava na hora de tomar uma decisão: esperou que Capa saísse escondido nas sombras. Ela ia tão satisfeita consigo que nem ligou a mais nada. Então entrou. Já tinha um discurso preparado! Ragus ocupado a pensar só reparou em Erik quando este bateu a porta com estrondo.
– Oh… olá… - cumprimentou-o ele com ar cansado.
– Olá… encontraste os Verdis? – perguntou Erik adivinhando a resposta.
– Não. O que achas que aconteceu? – respondeu Ragus tentando a todo o custo que Erik, se fosse esse o caso, se traísse. Queria, precisava, de ter certezas.
– Bem… eles estavam reticentes quanto à direcção a seguir. Como Capa decidiu apressar a minha missão eles podem ter mudado de opinião… decidido ir para outro local. E eu não pude descobrir mais nada!
– Claro! – exclamou o outro triunfante pensando no que dissera à Capa. – Queria perguntar-te… eles falaram em mais alguma direcção?
– Não. Pelo menos enquanto lá estive. – Se eu lá tivesse continuado saberia!
– Pois… claro… - resmungou Ragus.
– Mais alguma coisa? – interrogou-o Erik sarcástico.
– Não… onde vais?
– Embora… - Erik estava nervosíssimo… que quereria Ragus?
– Se te voltar a chamar gostaria que fosses mais rápido. Chegaste cerca de uma hora atrasado!
– Claro! O falcão chegou quase em cima da hora! – inventou Erik.
– Pois. É provável que sim tendo em conta que o melhor que tínhamos se perdeu!
– Não tenho nada a ver com isso! Nem tão pouco com as instruções que a minha irmã deu ao falcão! Ela perde falcões, mente a todos, trai, faz trinta por uma linha, engana-te para que me prendas…- Erik parou de repente. À medida que falavam ele fora ficando cada vez mais nervoso e agora denunciara-se!
– Como é que tu sabes que a tua irmã tentou enganar-me?
– Porque… porque… ora bolas! Eu conheço a minha irmã, ou não?
– Pois. – ripostou Ragus que não ficara nada convencido. – Tens a certeza que é só por isso? Não é mais nada?! Quer dizer de repente chateias-te, deixas de pensar no que dizes e pronto dizes algo que por acaso até te pode tramar… - insinuou ele.
– Não. Mas a minha irmã não perde uma oportunidade de me tramar. Qualquer coisa: serve… transforma uma insignificância, como o meu acto de seguir os Verdis para novas informações em vez de voltar, em enormes tempestades! – continuou Erik, atrapalhado.
– Sim. Bem de qualquer forma tenta ser rápido se te voltar a chamar!
Erik saiu da Guarda bastante perturbado. Quase que fora apanhado e se Ragus não tivesse ficado com a pulga atrás da orelha ele não se chamava Erik. Aliás, Capa iria mesmo fazer os possíveis por aumentar essa desconfiança! Dias mais tarde Erik foi novamente chamado à Guarda. Quando lá chegou surpreendeu, novamente, uma conversa entre Capa e Ragus:
– Que curioso! E por acaso não é possível que ele tenha ouvido a nossa conversa e ter-te dado completamente a volta em vez de “ter chegado atrasado”?! Não… claro que não! Isso seria impossível! O teu protegidinho nunca faria isso! – enquanto falava Capa cirandava à volta de Ragus com uma expressão inocente e sedutora…
– Herr… claro que isso é… possível… mas tenta compreender… o Erik nunca falhou… posso… errr… tentar acreditar que ele não falhou desta vez também… - começava a tornar-se difícil resistir às insinuações de Capa…
– Não acreditas em mim… já não confias mais em mim? É isso? Preferes acreditar no Erik, que deu mostras de desobediência em vez de acreditares em mim que nunca te menti? – perguntou Capa mostrando-se magoada.
– Não! Claro que eu não faria isso… mas se Erik os seguiu é porque ainda não tinha informações que chegassem para atingirmos os objectivos… e não foi propriamente um acto de desobediência propositada… - Ragus gostava demasiado de Capa para se permitir perdê-la. Já estivera com ela anteriormente quando ela precisara de ajuda para seguir um alegado assassino Ruivi e ficara apanhadinho. Mas Erik era ainda um bom espião e nunca falhara.
– Mas é claro! Que tola fui por ter pensado que nunca duvidarias de mim… claro que Erik é bom demais para falhar! Melhor ainda do que todos vocês… vocês é que falharam na missão… o erro não foi de Erik… de modo nenhum! – Capa envolvia-o cada vez mais na sua música… sedutora… doce… irresistível…
– Não diria isso… afinal nós somos excelentes guardas e é… hum… possível que tenha havido uma má interpretação das palavras dos Verdis enquanto Erik os espiava… - concordou Ragus já rendido seguindo todos os pequenos movimentos de Capa que se afastara agora fingindo mexer nos objectos da secretária…
– Oh! Eu no fundo sabia que tu não desconfiarias de mim… pois não? Eu disse apenas aquilo que pensava mas acho que não me exprimi correctamente…Do outro lado da porta Erik escutava imóvel ouvindo cada gota de veneno brotar dos lábios de Capa e atingir Ragus como verdadeiras lanças que se infiltram cada vez mais fundo… – … eu acho que… nós nada sabemos acerca do que aconteceu enquanto Erik esteve a perseguir os Verdis… ele pode ter sido apanhado e convencido a enganar-nos… ele pode ter-se tornado amigo deles… afinal… tem a desculpa perfeita… ele não podia voltar para trás porque perdia os Verdis de vista e não podia mandar uma mensagem porque não levou um falcão… pode ter-se afeiçoado aos Verdis e decidido que eles não mereciam ser presos ou feitos escravos… e combinado um esquema para lhes dar tempo! Podemos ter sido envolvidos numa rede de mentir que se destinavam apenas a distrair-nos dos nossos objectivos… - Capa finalizou este discurso extremamente próxima de Ragus acariciando-o, seduzindo-o… e ele caía que nem um castor-de-cauda-rosa que se vai convencendo com o tempo. Ragus já estava tão apanhado que nem lhe passou pela cabeça não acreditar! Naquele momento a única coisa que lhe interessava era manter Capa bem pertinho… e o único fio que ainda o prendia à razão era o facto de ser guarda e estar em serviço… «mas - pensou ele – não está cá mais ninguém e eu oiço se alguém se aproximar! É a única divisão nas redondezas…» e aproximou-se um pouco mais de Capa… Mas Erik não estava disposto a deixar que as coisas fossem mais longe… se aquilo continuasse ele poderia não ter como escapar às acusações que lhe fizessem! Voltou um pouco atrás e fez-se pesado para que o ouvissem bem!
– Pára, vem aí alguém! – exclamou Ragus subitamente puxado à realidade.
– Mas já acreditas em mim ou não? – questionou Capa num murmúrio suave e doce nada disposta a afastar-se ou a parar sem ter certezas primeiro.
– Vamos ver… - Ragus tentava dar a volta à questão. Não queria duvidar de Capa mas sabia que Erik nunca falhara… - vamos agora tens de ir!Capa saiu e entrou logo de seguida Erik…
– O que precisas de saber agora? – disse indo directo ao assunto. Não estava disposto a aturar insinuações por mais pequenas que fossem.
– Apenas queria perguntar-te porque não esperaste que te fossem buscar à clareira naquele dia. Os Verdis não iriam longe e tu podias passar as informações da reunião e segui-los à mesma…
– Na reunião eles não disseram senão aquilo que já sabíamos: que tinham de sair dali o mais depressa possível sem serem apanhados. Que ricas informações te seriam transmitidas se eu tivesse voltado para trás! E ninguém me garante que conseguia encontrar os Verdis depois! Sabe-se lá para onde eles iriam! Não disseram nada sobre isso!
– Desobedeceste às minhas ordens e como sabes isso independentemente das intenções é intolerável na Guarda!
– Claro! E diz-me… se eu tivesse voltado sem informações o que dirias? Sê completamente verdadeiro; por uma vez! Irias aceitar ou irias dizer que eu os devia ter seguido para obter mais informações? E será que Capa nessa altura não tentaria meter veneno… dizendo que eu não os seguira para não ter informações para te dar? – Erik começava a ficar realmente zangado! Bastaria uma palavra de Capa para que aquilo tudo fosse esquecido e ela no entanto alimentava cada vez mais as dúvidas de Ragus! Se aquilo continuasse ele acabaria preso e a sua não-condenação estava por um fio como ele bem sabia! Tinha de fazer Capa parar sem a irritar. Aí estaria completamente perdido!
– Não sei o que diria porque me desobedeces-te e isso não aconteceu!!!
– Eu estou farto das tuas insinuações. Se tens alguma coisa para me dizer diz duma vez ou deixa-me em paz! Cumpri a minha missão! Trouxe as informações sobre os Verdis… não me competia mais nada.
– Não! A tua missão era presidires à reunião e voltares! Não devias ter seguido os Verdis mesmo que não tivesses informações! Irias a outras reuniões se necessário! – o tom da conversa subia gradualmente.
– Eles não combinaram mais nenhuma reunião! Passaram a estar todos juntos para ser mais fácil! Acho que alguns tiveram dificuldades em chegar e ouve alguns atrasos… - Erik mordeu o lábio.
– Alguns atrasos! Mas então foste descoberto! A mistura que te pusemos no cabelo durava o tempo exacto da reunião! Foste descoberto!
– Não! Eles não me viram! Eu estava escondido! Achei mais prudente! – replicou Erik aflito tentando dar a volta. Mas ele já sabia que agora Ragus estava alerta! Ia investigar tudo a fundo! Não tinha escapatória! A única solução era pedir a Capa para o safar, mas depois da sua última resposta tinha sérias dúvidas! E de qualquer forma o “pacote de custos” de Capa ia ser enorme!
– Onde é que te escondeste? E como é que não te viram?
– Numa árvore e de qualquer forma porque me veriam? Há alguma coisa que eu deva saber? Afinal os Verdis «não têm nada de especial!» como tu próprio disseste. – replicou Erik recuperado fechando Ragus nas suas mentiras. Tinha esperado por aquilo desde que se separara dos Verdis. «Doce, doce vingança!» pensou satisfeito.
– Os Verdis têm sim algo especial: têm uma enorme ligação com a natureza! Eles podem ter-te pressentido e precisamente por isso sido cuidadosos!
– Então e eu não deveria ter sabido disso antes? Porque é que nada me disseram? Teria feito as coisas de maneira diferente!
– Tinhas de as ter feito bem de qualquer forma! Eu nem acredito! Traíste-nos! Ocultaste-nos informações importantes que nos poderiam ter ajudado! Se os Verdis realmente souberam que lá estavas então enganaram-te todo este tempo
– Nã… não! Eu não traí ninguém… eu… eu só não sabia disso! Vocês disseram que eles não tinham nada de especial! Como é que eu podia saber? Eu não fiz nada! Não vos traí coisa nenhuma!
– Tens isso para nos provar! Adeus e até depois!
– Mas… bem adeus!
Erik foi dali directo ter com Capa! Encontrou-a no mercado a passear e pediu-lhe que fosse com ela até casa. Capa acedeu com um sorrisinho! Sabia exactamente o que o irmão queria!
– Capa, preciso de ajuda! Da tua ajuda! Ragus acha que os traí! Sei que sabes bem que não e imploro que me ajudes!
– Bem eu até ajudava mas tu próprio disseste: «eu não preciso de sorte! Tenho-me a mim e isso basta!»… acho que foste claro! Se não precisas de sorte também não precisas de mim!
– Isso era naquela altura! Agora preciso de ti! – Erik estava realmente desesperado.
– E o que é que eu ganho com isso? – perguntou Capa subitamente interessada.
– Depende! O que é que tu queres?
– Ver-te preso! – respondeu Capa imediatamente, sem hesitações.
– Sem ser isso!
– Erik! Ando há muito tempo a tentar que isto aconteça! Seria idiota da minha parte se não aproveitasse! Além do mais nunca me perdoaria se te safasse! – Capa sabia que queria ver Erik preso desde que ele falhara na perseguição do grupo que ela queria ver preso: Bigo, Seara, Aryl, Lyra, Kanel e Cális, apesar da existência deste ela desconhecer… especialmente Aryl.
– Mas eu não quero ser preso!
– Tenho pena! – ironizou Capa.
– Deves ter! Ajuda-me! – Erik estava em pânico.
– Não! Agora sai!
– Sai tu! Esta é a minha casa! – ripostou Erik recuperando a compostura. Já que ela não o ia ajudar não valia a pena rebaixar-se.
– Se depender de mim deixa de ser em muito pouco tempo!
– Claro… adeus.
No dia seguinte Erik foi novamente chamado e não ficou surpreendido por mais uma vez ouvir Capa a falar com Ragus.
– Sim Capa, tens razão! Eu vou já tratar de tudo.
– Oh, meu amor… tenho pena pelo meu irmão mas nunca sonharia em trair a minha raça para o proteger.
– Claro… eu também! Ele é o melhor espião que temos mas traiu-nos e mesmo que isso não seja totalmente verdade desobedeceu-me o que é intolerável e de qualquer forma dá prisão! – respondeu Ragus a uma Capa aparentemente desolada.
Erik entrou de repente deixando-os aos dois de boca aberta.
– A conspirar contra mim? – vociferou furioso.
– Não. Tomei uma decisão! Vais ser julgado por desobediência a um superior… e se calhar por traição!
– Mas eu não vos traí! Não têm provas!
– Sim, mas ocultaste-nos uma informação muito importante e não temos como confirmar que a restante que nos deste é verdadeira especialmente porque não encontrámos ninguém seguindo as tuas instruções! E isso não aconteceu das outras vezes em que nos forneceste dados para encontrar alguém!Erik não tinha como refutar. Era verdade! Nunca falhara! O seu silêncio serviu a Ragus para confirmar as suas suspeitas!
– Não respondes!? Então é porque sempre é verdade!
– Não vais mudar de ideias, diga eu o que disser porque te deixas levar por uma cobra bonita! De que me serve, então, refutar?! – Erik lançava a sua última cartada.
– Estás a chamar-me fraco!? É mesmo! Estás a chamar-me fraco! Estás a insultar-me!
– Há uma grande diferença entre um insulto e o que é verdade! – Erik percebeu que já não tinha saída por isso… podia fazer e dizer o que quisesse! Já não tinha nada a perder!
– Acabou! Omites-me informação, insultas-me. O teu julgamento é amanhã ao meio dia! Mas não contes com benevolência da parte de ninguém! Nem com a minha ajuda tão pouco!
– Não conto, descansa! – declarou Erik sarcástico saindo. Erik pensou: «ou fujo ou… ou… fico preso ou… fujo!» Foi para casa com intenções de sair rapidamente dali e tentar encontrar os Verdis ele mesmo mas mal entrara bateu alguém à porta. Quando abriu verificou que se tratava de Capa. Viera para o vigiar e certificar-se de que não fugia!
– Que fazes aqui? Ainda é a minha casa e eu tenho o direito de ter aqui apenas quem eu quero!
– Agora não. Tenho ordens para aqui estar a vigiar-te para não fugires!Erik estava vencido e sabia-o. Capa não jogaria com algo assim… ou será que sim? Decidiu arriscar:
– Prova-o!
– Pergunta a Ragus. – devolveu Capa maliciosamente.
– Não posso! Se o que dizes é verdade então não posso sair daqui!
– Mas Ragus está a chegar.
Como que a confirmar as palavras de Capa a porta abriu-se e entrou Ragus com uma carta de detenção na mão. Entregou-a a Erik sem uma palavra e ia a sair quando este lhe perguntou:
– Capa tem mesmo ordens para ficar a vigiar-me?
– Claro ou dada a tua tendênciazinha para fugir das consequências amanhã já estarias longe!
– Mas para que iria eu fugir? Sou inocente! Não te traí! E aquilo que fiz foi apenas em teu favor!
– Desobedeceste-me e insultaste-me.
– Já disse que não foi um insulto! Foi a verdade nua e crua! É ou não verdade que deste ouvidos a tudo o que Capa te disse e deixas-te que ela te convencesse a fazer aquilo que ela queria? – atirou Erik duma vez. Já tinha estas palavras entaladas à algum tempo. Ragus não quis ouvir mais nada. Sem uma palavra dirigiu-se para a saída e a última coisa que disse foi dirigida a Capa: «Vigia-o bem.» Eis a resposta de Erik. Ia mesmo ser preso e se a sorte não o abandonasse não seria morto.
– Bem… vamos ter um longo tempo pela frente. Tens alguma bebida fresca? - perguntou Capa como se aquilo se tratasse duma simples visita entre irmãos.No dia seguinte Erik saiu muito mais cedo do que o previsto de casa para o julgamento. Tinha um plano. Dissera a Capa que queria passar por um sítio para se despedir de um amigo. Aparentemente fora tão convincente que ela o deixou partir mas talvez se tenha devido ao facto de, já cansada de ali estar sem fazer nada, precisar de uma boa noite de sono por ter passado a anterior a vigiar Erik que não lhe deu descanso.
Demorou muito tempo mas por fim conseguiu entrar na Guarda sem que ninguém o visse e escapuliu-se à socapa para o gabinete de Ragus que não estava lá. Começou a remexer na secretária à procura duma carta de libertação que sabia lá estar. Bastava escrever o seu nome e tinha a liberdade garantida. Mal ia a sair chocou com Ragus que entrava ofegante.
– Erik, finalmente te encontro! Tenho estado à tua procura mas não te encontrei em casa. A tua irmã disse-me que te tinhas vindo despedir de um amigo e eu corri tudo à tua procura! Já tinha desistido! Queria dizer-te… falei com o juiz e aparentemente não posso condenar-te porque não tenho provas… por mais prazer que me desse fazê-lo… e nem sei se me daria realmente prazer. Afinal és o melhor e realmente não me deste ainda motivos para desconfiar… E capa também não… - Ragus parou de repente. Tinha visto o documento nas mãos de Erik. Num momento percebeu o que se passara e a sua expressão mudou de alguém muito pouco arrependido para um gelo glacial. Um sorriso maldoso rasgou-lhe a boca, depois de um breve momento de espanto… - Então a roubar!? Quem diria! Afinal parece que já tenho por que te condenar! Estou desiludido – continuou ele com um ar sarcástico – tens a consciência pesada? Pensei que éramos amigos! Fazes ideia dos prejuízos que me iria causar o desaparecimento dessa carta?
– Por Dea! – gritou Erik - Éramos amigos até tu teres deixado bem claro que não me ias ajudar contra as falsas acusações da minha irmã. Deste até a entender que irias mandar-me tu próprio ao juiz! Sabia que contra a tua palavra e a de Capa por mais inocente que fosse não tinha hipóteses. Não quero ser preso! Que querias que fizesse? Fosse para os calabouços ver o sol aos quadradinhos outra vez? Se é que veria o sol!
– Não terias mais do que merecias! – Ragus agarrava agora Erik por um braço e este incapaz de se libertar paralisou e deixou-se conduzir num estado se semi-sonolência.
Quando Erik “acordou” estava em frente a um juiz a ouvir a sua própria sentença: prisão. Erik não queria sequer pensar como ou porque é se tinha esquecido de tudo desde que encontrara Ragus naquela manhã… ou melhor desde que fora apanhado por este. Só pensava em fugir. Via uma seta aproximar-se para o levar e de repente lembrou-se da solução. Erik era bastante ágil. Escapuliu-se pelas pernas de um dos elementos da seta e correu até ao bosque que estava próximo. Aí em vez de continuar a correr marcou rastos falsos da sua passagem e subiu a uma árvore. Tudo acontecera tão rapidamente que quando os elementos da seta se aperceberam do sucedido já só viram um vulto ao longe no meio das árvores. Por mais que procurassem, não encontraram Erik e acabaram por desistir. Ele fora-se e provavelmente não o voltariam a encontrar. Erik sorriu com o êxito da façanha e preparava-se para ir avançando pelas árvores quando verificou que mesmo ao seu lado estavam dois Verdis a sorrir. Percebendo a sua atrapalhação eles começaram a explicar:
– Finalmente que te safas! Estávamos a ver que não! Temos estado a seguir-te e prontos a salvar-te se por acaso fosses preso! Quando saíste com a tua irmã percebemos que não nos irias trair.
– Afinal mentir sempre dá jeito… - interrompeu o outro Verdi a sorrir. Erik lembrava-se vagamente deles. Faziam parte do grupo que tentava fugir.
– Mas, vocês já não deviam aqui estar! Deviam ter-se ido embora! Eu não passei por tudo isto para que cá continuassem! – barafustou Erik realmente zangado. Tanto trabalho para dar tempo aos Verdis de se escaparem e afinal eles andavam a segui-lo!
– Não! Os outros estão escondidos no fim da passagem que nos indicaste para o nosso território! Nós ficámos para te ajudar! Afinal não dava jeito o único Sangui que tem coração estar fechado num calabouço por nossa causa!
– A verdade é que eu também vos ajudei porque me queria vingar das mentiras que a Guarda me transmitiu e da forma como desconfiaram de mim sem razões para isso! – Erik esboçou um esgar enquanto falava. Também queria que a minha irmã me visse fugir por entre os dedos quando o seu objectivo estava tão próximo.
– Bem, o que interessa é que nos ajudaste e não pode ter sido só por isso! Podias ter-te vingado da Guarda em qualquer outra ocasião. Agora não há tempo para explicações. Vamos avançando pelas árvores enquanto falámos porque não tarda muito a Guarda está aqui outra vez… daqui a meio ciclo lunar no máximo chegaremos à passagem!
Erik ficou realmente sensibilizado com a acção dos Verdis. Aqueles que conhecia e a que chamava de amigos não teriam feito nem metade do que eles para o ajudar… se lhes interessasse até o podiam prejudicar! Enquanto passavam de galho em galho, os Verdis iam contando tudo o que tinham presenciado enquanto Erik os ouvia, sorrindo deliciado. Podia contar com eles… só restava saber se estaria à altura da responsabilidade, se conseguiria pagar-lhes na mesma moeda!
FIM

3 comentários:

Raquel disse...

está lindo, Ariana! muito giro, mesmo! prolongaste a história, não foi? ;)
acho que também vou participar, mas provavelmente nas férias, porque agora não tenho tempo :/ em quais férias? não sei, vai depender da paciência e do trabalho.
o concurso tem algum prazo, Rita?

Beijinhos

Rita Vilela disse...

Olá, Raquel

Vou transmitir à Ariana a tua opinião.
Não há prazos... envia quando te apetecer.
Um beijinho

Narniana Selvagem disse...

muito obrigada pelo teu comentário. se participares estarei aqui para ler o teu texto com muito gosto :) sim prolonguei a história... quando li a proposta a imaginação começou a borbulhar e fervilhar um bocadinho além dos limites e pedi para prolongar :)

beijinho e boa sorte no teu conto...

P.S.: por mais incrível e distante que pareça o momento das férias há-de chegar... pelo menos ando a tentar convencer-me disso ultimamente... :D